· Renata · Direito do Profissional da Saúde · 4 min read
Falsos Coletivos nos Planos de Saúde, A Prática Irregular das Operadoras de Saúde de Usar o Plano Empresarial ou por Adesão Apenas para a Família
Nas últimas décadas, os planos de saúde coletivos --- especialmente os por adesão e os empresariais --- passaram a dominar o mercado de saúde suplementar no Brasil. Embora concebidos para atender grupos organizados, com vínculos profissionais, associativos ou empregatícios, tais planos vêm sendo utilizados de forma indevida, sobretudo para mascarar contratações essencialmente individuais.
Nas últimas décadas, os planos de saúde coletivos --- especialmente os por adesão e os empresariais --- passaram a dominar o mercado de saúde suplementar no Brasil. Embora concebidos para atender grupos organizados, com vínculos profissionais, associativos ou empregatícios, tais planos vêm sendo utilizados de forma indevida, sobretudo para mascarar contratações essencialmente individuais. Essa prática deu origem ao fenômeno dos chamados “falsos coletivos”.
Entre os tipos mais problemáticos está a figura do plano empresarial contratado por microempresas (MEIs ou EPPs), constituídas apenas para esse fim, com o objetivo de incluir exclusivamente familiares como beneficiários --- sem vínculo empregatício real. Trata-se de uma fraude estrutural do modelo coletivo, que se afasta da lógica de mutualismo e da coletividade verdadeira.
O presente artigo tem por objetivo esclarecer o que são os planos falsos coletivos, por que sua comercialização tem se expandido no mercado brasileiro, quais os riscos práticos e jurídicos para os consumidores e como o Poder Judiciário vem enfrentando os abusos decorrentes dessa prática.
2. O que são os chamados “falsos coletivos”?
A Lei nº 9.656/98 prevê três categorias contratuais principais de planos de saúde:
Individual/familiar
Coletivo empresarial
Coletivo por adesão
O coletivo empresarial pressupõe a contratação do plano por uma empresa, com extensão aos seus empregados (vínculo celetista ou estatutário).
No entanto, em clara violação à finalidade legal, muitos consumidores vêm sendo inseridos em planos empresariais sem jamais terem tido vínculo empregatício com a suposta empresa contratante.
Exemplos:
Empresarial: pessoa física constitui um MEI apenas para contratar plano de saúde e incluir familiares como “funcionários”, sem vínculo real.
Por adesão: associação fictícia é usada apenas como fachada para intermediar contratações em massa.
Nesses casos, o contrato é coletivo apenas na aparência, mas, na essência, é um plano individual disfarçado.
3. Por que as operadoras preferem vender falsos coletivos?
A adoção dessa prática decorre da conjugação de três fatores principais:
3.1. Menor regulação da ANS
Planos individuais: reajustes anuais controlados e autorizados pela ANS.
Planos coletivos: reajustes livres, definidos pelas operadoras.
Dado: Painel de Precificação da ANS (2023) --- reajustes de planos individuais ficaram entre 5% e 10% ao ano, enquanto os coletivos (especialmente com menos de 30 vidas) chegaram a mais de 20% ao ano.
3.2. Cancelamento unilateral facilitado
Individuais: só podem ser rescindidos por inadimplência ou fraude.
Coletivos: podem ser cancelados sem justificativa, com aviso prévio de 60 dias.
Isso gera insegurança, sobretudo para idosos, pessoas com deficiência e doentes crônicos.
3.3. Estratégia de mercado
Diante dessas vantagens, muitas operadoras deixaram de oferecer planos individuais, direcionando todo o portfólio para planos coletivos.
Dado: segundo o IDEC, os planos coletivos já ocupam mais de 80% do mercado brasileiro.
4. O problema dos reajustes abusivos
Sem controle da ANS, os reajustes nos planos coletivos são desproporcionais e pouco transparentes.
Estudo IDEC (2022):
Planos individuais: +35,41%
Coletivos empresariais (30+ vidas): +58,94%
Coletivos por adesão (30+ vidas): +67,68%
Coletivos por adesão (até 29 vidas): +74,33%
Coletivos empresariais (até 29 vidas): +82,36%
Além disso, as operadoras raramente fornecem relatórios de sinistralidade ou justificativas técnicas auditáveis, violando o CDC (art. 6º, III).
5. A resposta jurídica e o posicionamento dos tribunais
A falta de regulamentação eficaz da ANS tem sido suprida pelo Poder Judiciário.
O STJ já decidiu que contratos formalmente coletivos, mas materialmente individuais, podem ser tratados como planos individuais:
AgInt no AREsp 2285008/SP (2024): possibilidade de reclassificação de coletivos atípicos como individuais.
AgInt no REsp 1989638/SP (2022): limitação de reajustes de falsos coletivos aos índices da ANS.
Também tem sido reconhecida a abusividade da rescisão imotivada em contratos que, na prática, atendem apenas ao núcleo familiar.
6. Conclusão
O falso coletivo, seja por adesão ou empresarial, é uma distorção do sistema jurídico-regulatório dos planos de saúde.
Criação de empresas fictícias para contratar planos familiares → burla à legislação.
Consumidor fica exposto a reajustes abusivos e cancelamentos arbitrários.
Judiciário tem atuado para coibir abusos, com base na boa-fé objetiva, função social do contrato e vulnerabilidade do consumidor.
Recomendação ao consumidor:
Planos empresariais contratados por MEIs ou microempresas compostas apenas por familiares, sem vínculo empregatício real, não oferecem as proteções dos planos individuais.
Em caso de dúvida, prejuízo ou risco, é essencial buscar orientação com advogado especializado em Direito da Saúde.